O poder, o perverso e o desmentido da lei
A Psicanálise traz um outro olhar sobre o tema Perversão desde os primeiros textos de Freud sobre o assunto (Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade). Descolando da questão puramente sexual, e seguindo pela via da constituição do sujeito, Freud desmistifica o conceito tão amplamente associado aos desvios sexuais e de caráter.
Na psicanálise, a perversão é compreendida como uma estrutura clínica, correspondendo a uma das formas possíveis da criança lidar com a castração. A castração é um conceito fundamental na teoria psicanalítica, que se refere à perda imaginária ou simbólica do falo, essencial para a constituição da subjetividade, pois é ela, a castração, que instaura a percepção eu-outro.
No entanto, a perversão não é simplesmente uma questão de escolha ou preferência pessoal, pois a constituição subjetiva acontece de forma inconsciente. Na visão psicanalítica, ela está relacionada a uma estrutura psíquica específica, que envolve o mecanismo da denegação ou desmentido, na tentativa de manter a onipotência infantil.
A castração é aquilo que simbolicamente dará sustento à lei (obviamente, estou dizendo de forma bem simplista). O uso desse mecanismo (o desmentido), é a forma do perverso mostrar que sabe que a castração existe (ou que a lei existe), porém não a considera.
Segundo Freud, a função ética, nasce da vivência edipiana, na relação com a castração, onde o sujeito tem a possibilidade de deixar para trás a onipotência e a arbitrariedade. A modalidade perversa se coloca como tendência a desconsiderar a submissão à lei, dando continuidade ao arbitrário.
Da mesma forma, lida com a própria angústia, negando sua existência. Para isso, institui um objeto (material ou comportamental), que é colocado no lugar da falta (consequência da castração e motivo de angústia). Quase que numa indicação de não repressão.
Ao desmentir a castração, a lei, a falta e a angústia, o perverso indica sua forma de lidar com o outro – desconsiderando. O outro existe, mas como possibilidade de uso para sua satisfação. Por isso, o perverso o manipula.
O perverso entrega sua angústia ao outro como enigma. Não se inibe, nem se recrimina, pois para isso teria que considerar o outro na relação. Sua via é de manipulação, para assim, acessar a satisfação. O outro é então objeto de manobra para o gozo.
O objeto do perverso é como um véu, que faz duplo efeito: aponta a falta e a desmente. O objeto, nem sempre é material, nem sempre tem foco no prazer sexual, mas se remete àquilo da falta e da angústia que o perverso não quer saber. Dessa forma, o poder (arbitrário) pode ser objeto do perverso.
Os outros se colocam à disposição da manipulação do perverso pelo enigma que concerne. A idolatração do perverso de cunho submisso, se instaura na medida em que o perverso faz porque quer, faz por satisfação. Ele faz aquilo que os outros (manipulados) gostariam de fazer, mas seu conflito com a lei (interna) não permite.
Com isso, o perverso submete o outro à sua culpa. Ou seja, já que ele não reconhece a castração, não reconhece a falta, não considera o outro, também não sente culpa (o que não significa, em hipótese alguma, que não tem responsabilidade) e a entrega para que o outro a sinta: “a culpa é sua”. Essa culpa está no sentido subjetivo, da constituição do sujeito. O perverso coisifica o outro e ainda o torna culpado.
Contudo, a modalidade perversa não é simples de ser manejada. O perverso precisa de investimento psíquico, intelectual e corporal para manter sua satisfação, por isso, vemos o perverso por vezes como grande articulador, como grande calculista, como grande incitador. Ou seja, a manipulação é necessária para sustentar seu objeto.
Neste sentido, o perverso usa o poder como objeto de satisfação fetichista. Daí desmente as leis, desmente as normas, desmente a ética. O poder é o objeto que constitui sua subjetividade e, portanto, sua manutenção é imprescindível. Para fazer valer esse objeto, o perverso manipula o outro (que deve se submeter), com encantamento.
Torna-se, então, uma figura idealizada daquele que tudo pode, pois tudo faz. Os submetidos não percebem sua manipulação porque sua articulação tem caráter de montagem, fazendo o submetido se considerar importante. Mas o perverso não liga para o submetido, pois o que realmente importa é a manutenção de seu objeto de gozo.
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